domingo, 25 de maio de 2008

Entrevista à Associação Sol Crianças


Nota prévia

Fundada em 1992 e distinguida na Sede da UNESCO em Paris em Outubro de 2000 pela sua filosofia piloto, a Casa Sol Crianças é uma associação de apoio a crianças seropositivas que nada tem a ver com o modelo tradicional de instituição. Esta cria nas crianças um sentimento de pertença, conforto e partilha, emergindo sempre entre as crianças e as pessoas que contribuem para a associação um sentimento de família, neste caso, uma família à antiga, numerosa.

Fale-nos um pouco sobre a Associação SOL.
“A Associação tem 15 anos.
A casa, era uma casa em ruínas que, nos foi dada pela Câmara Municipal de Lisboa e que foi reconstruída à base de donativos.
Embora sejamos a única associação deste tipo ao nível do país e mesmo da Europa, até já fomos reconhecidos pela NATO.
A casa tem lotação para 11 crianças, neste momento temos 22, estão imensas em lista de espera e sem apoios está a ser muito complicado.”

A Associação tem algum apoio do Estado?
“Só ao nível de alguns medicamentos. A medicação principal que o Estado nos dá é o Epivir, o Retrovir e o Caletra. O resto da medicação somos nós que compramos na farmácia, através de donativos.”

Têm muitos donativos?
“Temos alguns. Há pessoas que ajudam, há outras que se lembram de nós no Natal e depois...mais nada! É pena que o Natal não seja todos os dias, porque algumas pessoas esquecem-se ….”

Não têm apoios de nenhuma outra associação?
“Temos ligações com a Abraço e a Liga de Deficientes mas, tirando algum apoio do Estado, dos donativos e de alguns hotéis que nos dão o almoço, o jantar e fazem as festinhas de aniversário, Natal…e que nos ajudam nas prendinhas para as crianças, não temos mais nada.”

As crianças chegam à Associação por que via?
“Através do tribunal.”



Qual é normalmente a idade com que chegam?
“O último que cá chegou tinha três meses, o penúltimo, nove anos. Não têm idade específica. Quando abre uma vaga, o tribunal manda uma criança em lista de espera para aqui.”

Enquanto elas estão em lista de espera, onde é que ficam?
“Ficam na Santa Casa da Misericórdia, na Casa do Gaiato… todas as outras associações. Infelizmente não são especializadas.”

As crianças sabem que estão infectadas?
“ A partir do momento em que começam a ter alguma percepção todos sabem que são seropositivos.”

Como é que lhes conseguem explicar?
“Os que estão cá desde bebés, sabem que estão a tomar medicação, então, desde pequeninos que dizem “Vou tomar remédio!”. Eles sabem que durante todo o almoço têm de tomar vitaminas. Se nós não lhas dermos eles perguntam imediatamente “ Ó tia, então e o meu remédio?” e nós perguntamos “ Então mas, tu estás doente?” e eles respondem “ O médico disse que eu tenho de tomar remédio porque eu tenho uma doença. Tenho uma doença, em que o sangue faz mal”. Esta é a resposta dos mais pequeninos.
Os mais velhinhos, ao estarem em contacto com outras crianças, acabam por falar. Eles já sabem o que têm mas, nós também lhes explicamos os modos de transmissão, entre outros. Eles também acabam por se aperceber uma vez que fazem análises mensais nos hospitais D. Estefânia, D. Maria e Santa Marta. Todos eles vão mensalmente às consultas de transmissão vertical.
Neste momento, todos os vírus estão inactivos, todas as cargas virais estão baixas.
Para eles, é como se fossem normais, uma vez que são portadores de um vírus mas, não têm sintomas.”


A esperança média de vida delas é elevada?
“Sim, graças à medicação. Nós temos crianças na casa, que não têm SIDA. E já tivemos crianças, que foram adoptadas, que tinham pais seropositivos e que a partir do momento em que começaram a tomar medicação, quando atingiram aproximadamente os dois anos deixaram de ter o vírus. Foi desactivado por completo. São saudáveis”

Eles sentem-se revoltados por serem seropositivos?
“Não propriamente, uma vez que não apresentam sintomas. A sua maior revolta é o facto de não terem um pai ou uma mãe, ou pelo facto de não poderem estar com o pai ou com a mãe pois, alguns dos pais são toxicodependentes, prostitutos ou mesmo incógnitos.”

Elas estão em contacto com outras crianças?
“Aqui todos os meninos andam na escola e também fazem natação, praticam futsal, vão à catequese e praticam outros tipos de actividades.”

As outras crianças sabem que elas são seropositivas?
“Sabem, todas elas sabem.”

Mas, não há discriminação?
“Sim, há algumas crianças que ainda têm medo de brincar com elas. Mas, às vezes também é um bocadinho por parte dos pais, porque nem sempre os pais sabem como é que se transmite o vírus, então acabam por dizer aos filhos para não brincarem com elas. Por vezes dizem “Não brinques com aquele sidoso!”A palavra pesa muito. E quando elas ouvem e nos vêm contar vamos imediatamente à escola saber o que se está a passar e tentar controlar a situação.
Mas, neste momento, na escola não temos tido problemas. Isso também é normal, por vezes quando vamos às consultas com crianças negras e elas nos tratam por tias, as pessoas olham e perguntam-nos como é que é possível.”

Têm muitas crianças de cor negras é?
“Temos várias crianças. Temos crianças negras, algumas de etnia cigana, brancas, temos um menino que veio há pouco da Guiné e que ainda não sabe bem falar português, etc. Ainda há muitas pessoas a pensarem que a SIDA é só para um determinado escalão mas, não. A SIDA atinge a todos.”

Tendo em conta uma perspectiva mais pessoal, como é trabalhar com estas crianças?
“No início, quando vim para cá trabalhar, fiquei muito preocupada. Só pensava”como é que vais ser quando elas se cortarem?” e “se elas morrem?” Porque se associa aos seropositivos uma curta duração de vida. Mas, passados quatro dias de convivência com elas, esqueci-me totalmente de que eram seropositivos. São crianças normais, as vidas são normais, as preocupações são as de se fazem ou não a cama, se lavam os dentes, se vão ao banho, se já fizeram os trabalhos de casa. Só no momento em que estamos a dar a medicação é que nos lembramos que são seropositivas e perguntamo-nos: “Como será o futuro delas?”.
Depois, como estamos ligados a elas 24horas é família! É trabalhoso, muitas vezes cansativo mas, é muito gratificante.
Vê-las crescer, saudáveis e ver que estão felizes é fantástico!
Aqui, as crianças estão acima de tudo.”


“No início, quando vim para cá trabalhar, fiquei muito preocupada. Só pensava”como é que vais ser quando elas se cortarem?” e “se elas morrem?” Porque se associa aos seropositivos uma curta duração de vida. Mas, passados quatro dias de convivência com elas, esqueci-me totalmente de que eram seropositivos. São crianças normais, as vidas são normais, as preocupações são as de se fazem ou não a cama, se lavam os dentes, se vão ao banho, se já fizeram os trabalhos de casa. Só no momento em que estamos a dar a medicação é que nos lembramos que são seropositivas e perguntamo-nos: “Como será o futuro delas?”.
Depois, como estamos ligados a elas 24horas é família! É trabalhoso, muitas vezes cansativo mas, é muito gratificante.
Vê-las crescer, saudáveis e ver que estão felizes é fantástico!
Aqui, as crianças estão acima de tudo.”